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Avatar de Henrik

Texto de alta qualidade, como sempre, Bruno! A respeito desses assuntos, gostaria de fazer uma pergunta quanto ao cristianismo oriental e ao esoterismo que me surgiu enquanto assistia ao canal que você recomendou "Filosofia Mística De São Máximo, o Confessor". Pelo que compreendi, aos ortodoxos há a crença de uma incompatibilidade entre a lógica do mundo e a lógica de Deus, e nesse sentido, o cristianismo ocidental é perigoso por tentar operar justamente sob a lógica intrinsicamente inversa a cristã, do mundo, e isso se observaria em coisas como a visão ruim quanto o uso da imaginação durante a oração. Entretanto, isso me fez questionar, tal postura extremamente apofática e de negação do mundo não aproximaria o cristianismo oriental de um gnosticismo? Inicialmente espantei a ideia da minha mente, me baseando em meu desconhecimento quanto ao assunto, mas depois encontrei (admitidamente enquanto eu usava o ChatGPT para fazer uma sondagem de autores que tivessem tratado de uma possível integração entre o cristianismo ocidental e oriental) o que parece ser uma crítica similar vinda de Hans Urs von Balthasar, um católico que apresentava justamente uma grande admiração a Ortodoxia e fez parte do movimento de resourcment dentro da Santa Igreja. Apesar de afirmar a importância da mística, ressalta esse perigo e nota que a vinda de Cristo foi uma revelação positiva. (pelo menos foi isso que o ChatGPT disse que ele diz, não boto a minha mão no fogo por ele não! Kkkk). Não sei se a minha análise estaria correta, mas ao que me parece, o cristianismo ocidental, pelo menos em sua fase áurea, justamente buscava essa redenção "do reino da quantidade", com a ordenação dos desejos e da razão, enquanto o oriental o negava,...

O que acha desse posicionamento? É uma crítica válida ou precipitada a do Balthazar (e minha)?

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Henrik, muito obrigado pelo comentário! Sua questão também me causa muita reflexão. Hoje - como sugeri em outros textos, em especial naquele sobre o Conclave - eu arriscaria dizer, como palpite provisório (pois o tema é intrincado demais para que possa imaginar ter uma resposta definitiva), que o Cristianismo oriental é, simbolicamente, "Maria", e o ocidental (especialmente o Catolicismo tradicional), "Marta".

Os ortodoxos certamente vão refutar a acusação de "gnosticismo". Nos vídeos do canal do YouTube que indiquei, fala-se, por exemplo, que o apofatismo da Ortodoxia é, na realidade, profundamente relacional e comunitário; mas, na prática, elevar-se constantemente acima das faculdades "comuns" (razão/imaginação) traz, sim, um risco de negação da concretude (e por isso, claro, deve haver acompanhamento por um "mestre espiritual" que tenha percorrido o caminho e enfrentado os riscos).

Maria, em geral, é encarada como "superior" a Marta, pois "escolheu a melhor parte". Mas, curiosamente, já li justamente em algum autor frequentemente acusado de "gnosticismo" (e não lembro agora se foi Orígenes ou Meister Eckhart: um dos dois) que é o contrário: Marta já havia contemplado a Cristo como Maria, e por isso era capaz de trabalhar nas coisas concretas necessárias, abrindo espaço para que Maria pudesse, agora, também contemplar. Seja como for, a relação Marta-Maria não parece poder ser resumida a uma relação entre alguém "inferior" e alguém "superior": é uma relação de profunda complementariedade. E isso, para mim, é muito valioso para compreendermos a relação Oriente-Ocidente.

Por um lado, fico muito admirado com a profundidade da Ortodoxia; por outro, é inegável a imensa beleza da Cristandade ocidental. E, quanto mais penso em tudo isso, mais concluo que o Cisma foi a maior tragédia da história humana que conhecemos.

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Avatar de O_navegador

Um parêntese: na tradição protestante em que fui criado, praticávamos a invocação do nome de Jesus Cristo e se dava muita ênfase a isso, e lá também se falava bastante sobre o conceito de theosis - ainda que não com esse nome, mas com a mesma descrição - como o ponto central da revelação do novo testamento. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar ambos sendo enfatizados na tradição cristã oriental! Muito provável que aqueles que lançaram as bases desse grupo tenham bebido dessa fonte. Aliás, muito obrigado pela indicação do livro, uma pequena preciosidade!

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Avatar de O_navegador

Gostei muito do texto, Bruno! O rasgar do véu simboliza o livre acesso à presença de Deus, antes privilégio do sumo sacerdote, e ainda assim uma vez por ano. Concordo que o cristianismo é democrático nesse sentido, contudo ainda vejo nele a separação entre elite e massa, não por estruturas rígidas, privilégios inatos ou grupos exclusivistas, mas pelas diferenças na busca pessoal de cada um. Como fica abundamente claro nas Escrituras, todos podemos nos aperfeiçoar espiritualmente, mas a "lei das maiorias" infelizmente é implacável, e sempre a minoria é que segue de perto a Cristo. Isso é totalmente diferente do gnosticismo que presumem Guenón e os seus seguidores. Esse pressuposto de Guenón parece ter até afetado sua pesquisa, como você destacou, poque ele sequer pensou ser possível uma tradição difundida e disponível às massas conter alguma verdade. Como você, também enxergo no retorno ao espiritual através da oração interior um caminho indispensável ao cristão, como destaquei no meu artigo mais recente. O cristianismo de fato não vê mal inerente ao material, apenas busca redimi-lo do pecado, e o conceito da theosis me parece ser a expressão mais rica dessa ideia: a máxima expressão do espiritual (qualidade) se torna carne (quantidade), para dar à carne a possibilidade de restaurar a degradação.

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Avatar de Bruno

Muito obrigado pelo comentário. Você tem razão sobre haver, num certo sentido, uma "elite" mais próxima a Deus, pois há níveis maiores de santidade (a própria construção de Santa Teresa sobre as moradas leva a essa conclusão, aliás; e certamente existem hierarquias espirituais!). Talvez eu devesse ter deixado isso claro no texto. Para ser justo, o próprio Guénon emprega o termo "elite" muitas vezes nesse sentido. Claro que é um tema cheio de armadilhas, porque daí para a tentativa - que também existe entre os tradicionalistas - de achar, por exemplo, que as "castas" deveriam de alguma forma ter lugar no nosso mundo atual é um passo não muito grande (no meu texto, acabei priorizando o enfrentamento a essa linha de pensamento, e não a elucidação do que seria um sentido legítimo de "elite"). Enfim, o tema é fascinante justamente por ser cheio de tensões paradoxais e uma complexidade imensa - não há saída simplória, nem para um lado, nem para o outro.

No mais, também acho fascinante seu relato sobre sua vivência protestante - e adoraria saber mais sobre essa tradição, genuinamente. Sei que, historicamente, os Quakers tinham/têm uma inclinação mística muito forte, mas também não sei detalhes sobre eles. E, por fim, embora não tenha comentado ali, achei excelente seu último texto: vai justamente à essência da vida contemplativa, que é o fato de que nos tornamos o que contemplamos. Um abraço!

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