Desde criança, eu gosto de extraterrestres. Não, não tive a chance de conhecer um, mas gosto do tema. Acho que se liga a um gosto ainda mais amplo, pelo espaço - lembro que, com seis ou sete anos, eu tinha um livro com os planetas do Sistema Solar, que lia e relia muitas vezes. Olhando em retrospectiva, hoje percebo que era um interessante não meramente astronômico, digamos; quero dizer: eu não me interessava apenas por saber que Júpiter é um gigante gasoso ou que o tamanho da Terra não é nada muito impressionantes. Era como se cada um daqueles planetas encarnasse algum tipo de personalidade. Vendo-os no livrinho, era como se eu contemplasse o mistério de algo absolutamente diferente da minha vida comum.
Mas, voltando aos ETs - talvez meu gosto por eles tenha sido decorrência desse gosto mais amplo, pelo espaço. É bastante provável. Lembro que, aos 11 ou 12 anos, na escola, houve uma Feira de Ciências e escolhi justamente fazer um trabalho sobre extraterrestres. Também lembro que, mais ou menos nessa época, meu pai tinha o Laser Disc (LD - um precursor do DVD, mas no formato de um disco de vinil) dos Carpenters, com esta música sobre ETs, que eu adorava:
O clipe até hoje é muito bom. A voz do extraterrestre é sensacional.
Enfim, digo tudo isso apenas para deixar claro que é um assunto que me fascina. Na adolescência, filmes apocalípticos que envolviam invasões alienígenas estavam, sem dúvida, entre os meus favoritos.
Mas isso tudo fica como introdução - quase uma confissão autobiográfica. Sigamos em frente.
Como disse, sempre gostei de extraterrestres. Mas, por qualquer razão, os programas do History Channel e afins sobre ETs nunca me interessaram. Provavelmente, mais pelo formato do que pelo conteúdo.
De qualquer forma - e aqui chego enfim ao ponto central deste texto -, é curioso que, nos tais programas do History Channel e afins, quando há temáticas religiosas intercaladas com ufológicas, o argumento é quase sempre desenvolvido mais ou menos assim: Na Bíblia, nos Upanishads, não sei mais onde, há relatos de círculos voadores, com olhos, girando loucamente; os antigos não sabiam o que aquilo poderia ser, por isso acreditavam que era algo sobrenatural; mas hoje sabemos muitíssimo bem que são naves alienígenas etc.
Aí chegam os cientistas e os céticos. Nada disso - eles dizem. Tudo tem uma explicação mais convencional: montagem, satélite, ilusão, balão, meteoro, alucinação, tecnologia humana, e por aí vai. Ficamos, enfim, jogados entre esses dois lados: ou são ETs ou são fenômenos explicáveis dentro de algum parâmetro científico perfeitamente convencional e ordinário.
O curiosíssimo é que nunca se faça um outro raciocínio também perfeitamente legítimo: Ora, se hoje não sabemos bem o que são essas coisas misteriosas, será que não podem ter origem sobrenatural, como aqueles anciões da Bíblia acreditavam? Será que, em vez de buscar explicações materiais para o que os antigos viam, não podemos buscar explicações supra-materiais para o que, hoje, as testemunhas ufológicas relatam ver?
Na verdade, o fato de essa última hipótese não ser sequer aventada talvez seja o sinal mais claro do nosso materialismo profundamente enraizado.
Somos tão materialistas que, diante do mistério, precisamos desesperadamente de uma explicação material. Nem que seja matéria vinda de sei lá quantos milhões de anos-luz de distância.
O materialismo do homem moderno traz, neste assunto, duas consequências: i) nos tornamos a primeira civilização a tomar com seriedade (porque o assunto tem ficado cada vez mais sério) a possibilidade de alienígenas entre nós; ii) nos tornamos a primeira civilização a não tomar com qualquer seriedade a existência de seres de natureza não-material entre nós, com possibilidade, aliás, de manifestação eventual.
O materialismo pode ser mais rebuscado. Jacques Vallée, um dos cientistas mais respeitados no campo astronômico (personagem importante de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, clássico filme de Spielberg de 1977, foi inspirada justamente em Vallée), já há algum tempo olha com imenso ceticismo para a hipótese de avistamentos, e mesmo abduções, terem qualquer relação com extraterrestres no sentido convencional do termo: seres de outras galáxias etc.
Vallée - como, aliás, parece ser o caso dos estudiosos mais sérios sobre o tema - não descarta, em absoluto, a veracidade de muitos relatos. Embora muitos possam mesmo ser descartados como fraude, confusão, alucinação etc., há um número considerável de relatos sinceros e reais. Mas, para Vallée, não se trata de alienígenas que viajam milhões e milhões de quilômetros neste nosso universo, mas de seres multidimensionais, oriundos, talvez, de algum tipo de universo paralelo.
Não quero me alongar aqui. O que me parece, porém, é que essas teorias astrofísicas extremamente complexas e intrincadas, envolvendo uma multiplicidade de dimensões, são, no fim, apenas mais um desdobramento de um materialismo profundamente arraigado. Ou, em outros termos, apenas mais um consequência, por mais complexa e intrincada que possam ser, de nossa perda de uma cosmovisão tradicional - para a qual a explicação para fenômenos extraordinários está noutro lugar e parte de um paradigma absolutamente alheio ao materialismo.
Também é curioso que aqueles que parecem levar com maior seriedade, de forma geral, a existência de seres de natureza não-material sejam os espíritas.
Mas, neste caso, o que parece haver é uma certa “naturalização do sobrenatural": os seres são, em suma, humanos desencarnados, e mesmo os “anjos" nada mais seriam do que humanos muito evoluídos.
Os meios espíritas tendem a ser, aliás, também bastante entusiastas de contatos com aliens (ao menos no espiritismo brasileiro, que conheço superficialmente). Humanos muitíssimo evoluídos de ontem podem, afinal, viver hoje num planeta X ou Y, e então viajam até aqui para nos dar uma força. Acredito que Chico Xavier dizia que eles viriam mesmo ajudar se ficássemos algumas décadas sem guerra mundial.
Enfim, tudo isso para dizer que muito do frisson causado por ETs ficcionais, ou, claro, pela possibilidade de alienígenas reais, apenas se justifica por uma profundíssima perda de uma cosmovisão tradicional em nossa civilização. Este é o ponto-chave a que eu queria chegar.
Construímos uma civilização que, para compensar a perda da dimensão vertical, busca o mistério no plano horizontal-material de longínquas galáxias.
Francamente, um mundo povoado de seres não-materiais e não-humanos é muitíssimos mais empolgante do que um mundo visitado por seres materiais não-humanos (o universo ufológico) ou por seres não-materiais humanos (o universo espírita).
Uma pena que, descendo tanto, agora parecem ser apenas estes universos, o ufológico e o espírita, capazes de dar ao homem moderno algum estranho senso de mistério.
Mas convenhamos: se nem a religião ocidental trata com seriedade, e já há tempos, dos seres angélicos e demoníacos, em suas inúmeras hierarquias, como haveria a civilização ocidental em seu todo de escapar à horizontalização?